Os crimes de ódio na internet
O sentimento responsável por algumas das maiores tragédias da humanidade vem sendo potencializado no mundo virtual. Na internet, espaço ainda pouco fiscalizado e pràticamente livre para a divulgação de informações de qualquer espécie, o ódio encontrou um palco perfeito de proliferação. Não faltam sites e comunidades em páginas de relacionamento dedicados à propagação, por exemplo, do racismo, da homofobia e do nazismo. A prática, a indução ou incitação desses e de outros tipos de discriminação e preconceito configuram o crime de ódio, assim chamado informalmente e previsto em lei, que pode ser praticado via internet ou fora dela. Para a servidora federal Adriana Dias, antropóloga estudiosa do discurso do ódio na web, as vantagens da rede para os criminosos são a possibilidade de anonimato e o grande alcance de informação. Mas o Brasil tem se organizado; o Ministério Público Federal está se estruturando para combater o problema.
De acordo com informações levantadas por Adriana para sua pesquisa de doutorado, baseada na análise de mais de 300 mil páginas de 40 sites nas línguas espanhola, inglesa e portuguesa, as manifestações mais comuns no planeta são ao racismo, à homofobia, ao neonazismo, ao antissemitismo e ao ódio às pessoas com deficiência. Rússia, Alemanha e Estados Unidos são os países líderes na disseminação do chamado crime de ódio. No Brasil as principais vítimas são os negros, os judeus, os nordestinos e os homossexuais. Os três estados do Sul (Paraná, Rio Grande do Sul e Santa Catarina), São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais são os líderes do triste ranking da intolerância. Embora os espaços dedicados ao ódio incitem a violência, inclusive com o agendamento de ataques aos grupos discriminados, o maior problema, acredita Adriana, está relacionado à informação. – ‘ A internet torna a memória eterna. O discurso também deposita suas informações na rede. Portanto, a partir do momento em que alguém escreve que nunca houve o Holocausto, alguém pode achar que isso é verdade’, observa Adriana.
O ódio na web faz duas vítimas principais: Os grupos que são alvos da discriminação (esses diretamente) e as crianças. Estas, por serem especialmente vulneráveis aos discursos violentos. – ‘ Ninguém nasce racista ou homofóbico. Isso é um discurso social. A criança exposta a essa mensagem pode acreditar nela e isso vai prejudicar o mundo em que ela vive’, afirma Adriana.
Combate
Embora os crimes cibernéticos sejam relativamente recentes, o Brasil tenta se preparar para combatê-los. O Ministério Público Federal (MPF) tem grupos estruturados em São Paulo e no Rio de Janeiro para lidar com a questão. A atuação dos Ministérios Públicos se dá nas áreas criminal, por meio da investigação das denúncias dos próprios provedores e de cidadãos, e cível, por meio do relacionamento com provedores de conteúdo - ao cobrar deles informações sobre os responsáveis pelos crimes - e empresas que hospedam sites em que os crimes podem ocorrer - tentar fazer com se responsabilizem pelo conteúdo que circula sob a alçada delas. O MPF em São Paulo firmou um termo de cooperação com o Google, que comunica ao órgão eventos dessa natureza que ocorram, por exemplo, no site de relacionamentos Orkut. No site do MPF paulista é possível denunciar crimes cibernéticos. Investigar os crimes de ódio, no entanto, não é simples: - ‘ Como a internet permite o anonimato, isso dificulta a identificação do criminoso ‘, explica o procurador Adilson Amaral, coordenador do Grupo de Combate aos Crimes Cibernéticos do MPF. A única maneira é rastrear o criminoso pelo IP, a identidade da máquina do usuário na rede, que permite identificar o computador de onde foi cometido o crime. Só que não existe lei que obrigue os provedores de conteúdo a guardar as informações de acesso. Portanto em muitos casos os dados do criminoso já foram apagados quando se inicia a investigação. Os cyber cafés representam outro empecilho, pois pouquíssimos registram os dados dos usuários dos computadores.
O crime de ódio
O crime de ódio, assim chamado informalmente, está previsto na Lei nº. 7716/89, art. 20 (praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional*). A prática do crime pela internet é enquadrada no § 2º do artigo (se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza). A pena prevista é de reclusão de 2 a 5 anos e multa.
* Embora a homofobia não seja citada expressamente, os crimes de ódio contra homossexuais também são julgados com base no artigo 20: - ‘ A gente acaba incluindo a homofobia por extensão. Como a lei é de 1989, não se pensava nessa questão ainda ’, explica Adilson Amaral, procurador do MPF em São Paulo.
(por Renato Freire * Secre / BANCO CENTRAL DO BRASIL * 02/08/10)
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